História da química
Não é possível referir algo sobre o surgimento da química sem fazer uma breve referência aos múltiplos contextos da história da construção do conhecimento e a seus diversificados encadeamentos. A própria história da ciência não pode ser adequadamente observada sem se considerar, mesmo que panoramicamente, a história da filosofia, da educação, das religiões, das artes, das magias, entre outras. As origens da alquimia – e da própria química – perdem-se em tempos de que não temos registros. A busca de um ponto de partida para o conhecimento mostra se uma investigação problemática e complexa – e provavelmente indefinida. Na magnífica história da construção do conhecimento, talvez pudéssemos incluir o momento em que um remotíssimo ancestral nosso (talvez ainda mais próximo do macaco que do homem) verificou que com uma vara poderia alcançar um fruto mais alto em uma árvore. O trabalho foi o passo decisivo para a transformação de nossos ancestrais, e a descoberta de ferramentas foi um momento-chave nessa transformação. Logo se descobriu como operar melhorias nas ferramentas primitivas. Novos materiais foram descobertos: chifres, dentes, conchas, fibras vegetais, couro e cascas converteram-se em martelos, peneiras, arcos, agulhas, raspadores, trituradores. Começava a construção do arsenal tecnológico, e com esse início surgiu o fabrico de cordas e redes de fibras e um interminável aperfeiçoamento de novas tecnologias até os dias atuais. Ainda não eram, então, alteradas as propriedades da matéria (ou talvez possamos dizer que ainda não se realizavam reações químicas controladas). As descobertas prosseguiram. Os alimentos se estragavam, tinham seu sabor alterado ou se conservavam mais quando a eles se adicionavam outras substâncias. A descoberta do sal deve ter sido memorável: possibilitou, por exemplo, a magnífica oportunidade de armazenagem da caça farta para dias em que não houvesse possibilidade de busca de alimentos. Com o desenrolar da história, novas conquistas tiveram lugar: frutas secas começaram a ser guardadas por períodos longos, e seus sucos eram conservados, a maior parte das vezes transformados pela fermentação. Os predecessores dos químicos já andavam então sobre a terra. O domínio do fogo foi um dos primeiros conhecimentos ligados à química adquirido pelo homem primitivo. Era uma tarefa que provavelmente se lhe apresentava como algo muito perigoso e difícil, associada que era a seres ou forças sobre-humanas e, por conseguinte, ao culto místico e religioso. Parece indiscutível que dessa descoberta vieram importantes benefícios relacionados à melhoria da qualidade de vida. Assim, se fizermos recuar a história às origens do conhecimento químico, vamos encontrar em tempos imemoriais, nas mais diferentes civilizações, um grande número de tecnologias químicas, como as relacionadas com a alimentação (cocção, conservação com sal, produção de vinagre, vinho e cerveja); com a extração, produção e tratamento de metais; com a produção de esmalte e corantes; com o fabrico de utensílios de cerâmica, vidro, porcelana e metal; com a produção de pomadas, óleos aromáticos e venenos; com técnicas de mumificação; com a produção de materiais de construção como argamassa, tijolos, ladrilhos etc.
A alquimia, segundo algumas concepções, não pode ser considerada a origem da química, pois restringia-se mais a concepções filosóficas da vida. Na analogia da purificação dos metais, buscava-se uma maneira de viver, a purificação interior. Assim como permanecem dúvidas sobre o que de fato era (ou é) a alquimia, não parece possível definir quando se transformou na química — considerando-se as acepções mais usuais de uma e de outra. Como em muitos momentos da história da humanidade, a alquimia está hoje muito presente, mais uma vez, nas discussões e questionamentos das pessoas. Podem ser feitas pelo menos três leituras da alquimia, decorrentes estas das diferentes representações sociais que se tem sobre a alquimia. i) uma cética, que apresenta a alquimia como uma prática eivada de charlatanismo e destituída de qualquer significado científico, mas à qual se concede, não sem um certo desprezo, algumas contribuições acidentais; ii) uma histórica, que faz uma releitura crítica de períodos mais distantes da história, em especial o período medieval, contextualizando a alquimia e os alquimistas nesses períodos; iii) uma que admite um certo realismo-fantástico, que não é sinônimo de fantasia, mas que tem muito de incrível ou ainda inexplicável. (Chassot, 1994b)
A separação entre a alquimia e a química é mais profunda que o simples avanço técnico.
CHASSOT, Attico I. Alquimiando a química. Química nova na escola, v. 1, p. 20-22, 1995.